sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A AVAREZA*



Allan Kardec

“Dissertação moral ditada por São Luís à senhorita Ermance Dufaux em 06 de janeiro de 1858. (...)
             
Escuta-me avaro! Conheceis a felicidade? Sim, não é? Teus olhos brilham com um sombrio esplendor, nas órbitas que a avareza cavou mais profundamente; teus lábios se cerram; tuas narinas estremecem e teus ouvidos se apuram. Sim, ouço: é o tilintar do ouro que as tua mão acaricia, ao se derramar no teu esconderijo. Dizes: É a suprema volúpia. Silêncio: vem gente! Fecha depressa! Oh! como estás pálido! todo teu corpo estremece. Tranqüiliza-te; os passos se afastam. Abre: olha, ainda teu ouro. Abre, não tremas mais; estás sozinho. Ouves? Não é nada; é o vento que geme ao passar pelas frestas. Olha; quanto ouro! mergulha as mãos: faze soar o metal; tu és feliz.
             
Feliz, tu! mas a noite não te dá repouso e teu sono é atormentado por fantasmas.
             
Tens frio! Aproxima-te da lareira; aquece-te junto a esse fogo que crepita tão alegremente. Cai a neve; o viajor friorento envolve-se em seu manto e o pobre tirita sob seus andrajos. A chama da lareira diminui; atira mais lenha. Não, pára! É o teu ouro que consomes com essa madeira; é o teu ouro que queima.
             
Tens fome! Olha, toma; sacia-te; tudo isso é teu, pagaste com o teu ouro. Com o teu ouro! esta abundância te revolta; esse supérfluo é necessário para sustentar a vida? não, esse pedaço de pão será bastante; ainda é muito. Tuas roupas caem em frangalhos, tua casa se fende e ameaça ruir; sofres frio e fome, mas, que importa! Tens ouro!
            
Infeliz! A morte vai separar-te do ouro. Deixá-lo-á à beira do túmulo, como a poeira que o viajor sacode à soleira da porta, onde a família bem-amada o espera para festejar o seu regresso.
             
Teu sangue congelou-se em tuas veias, enfraquecido e envelhecido por tua voluntária miséria. Ávidos, os herdeiros atiram teu corpo num canto qualquer do cemitério; eis-te face a face com a eternidade. Miserável! Que fizeste do ouro que te foi confiado para aliviar o pobre? Ouves estas blasfêmias? vês estas lágrimas? este sangue? São as blasfêmias do sofrimento que terias podido acalmar; as lágrimas que fizeste correr; o sangue que derramaste. Tens horror de ti; desejarias fugir e não podes. Tu sofres, condenado! E te contorces em teu sofrimento! Sofre! Nada de piedade para ti. Não usaste de misericórdia para com teu irmão infeliz. Quem a teria por ti? Sofre! Sofre! Teu suplício não terá fim. Para te punir, quer Deus que assim o CREIAIS.
             
Observação de Allan Kardec – escutando o fim dessas eloqüentes e poéticas palavras, estávamos surpreendidos por ouvir São Luís falar da eternidade dos sofrimentos, enquanto todos os Espíritos superiores são concordes em combater tal crença, quando estas últimas palavras: Para te punir; quer Deus que assim o CREIAIS, vieram tudo explicar. Nós as reproduzimos nos caracteres gerais dos Espíritos de terceira ordem. De fato, quanto mais imperfeitos os Espíritos, mais restritas e circunscritas são as suas ideias; para eles o futuro está vago; não o compreendem. Sofrem; seus sofrimentos são longos e, para quem sofre por muito tempo, é sofrer sempre. Por si mesmo, esse pensamento já é um castigo”. 

(Referência: Allan Kardec. Revista Espírita. Fevereiro de 1858 p. 95-96)  

José Artur M. Maruri dos Santos
Colaborador da União Espírita Bageense
Comente: josearturmaruri@hotmail.com

*Coluna publicada no Jornal Minuano, em Bagé/RS, que circulou entre os dias 28 e 29 de junho de 2014 e que também pode ser acompanhado por AQUI.