sexta-feira, 15 de agosto de 2014

RESPEITAMOS AS CONVICÇÕES?*


A cada dia está mais evidente o envolvimento religioso nos assuntos governamentais, molestando ainda mais as relações dos brasileiros com sua Constituição.
            
Há alguns dias, neste espaço, trouxemos a informação veiculada pela Rede BBC que a Presidente Dilma Rousseff teve um encontro privado no Vaticano com Jorge Bergoglio, líder da Igreja Católica. Na oportunidade o cientista político da respeitável rede apontou como uma ação de “oilho no eleitorado”.
            
Agora, mais uma vez, podemos constatar o quanto pode ser nefasta a ação do governo sobre a liberdade religiosa ou de credo de todo e qualquer cidadão.
            
Nesta semana foi a vez do Portal de Notícias do Jornal Zero Hora veicular a informação de que um vereador de Antônio Prado, município localizado na Serra Gaúcha que detém pouco mais de quatorze mil habitantes, pediu a exoneração da assessora de imprensa da Casa Legislativa, Renata Ghigghi, com trinta e três anos, por ela não acreditar em Deus. O fato acabou ganhando repercussão nacional.

Renata Helena Ghiggi
Como se vê, mais uma vez, estamos diante de uma interferência direta da religião nos assuntos governamentais. Como já referido neste espaço, o Brasil adotou a liberdade religiosa e de culto desde a Constituição de 1824 e a Constituição atual, de 1988, é bastante clara em seu art. 5º, inciso VIII:
            
“VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
            
A assessora de imprensa, ao que parece, diante da manifestação do presidente da Casa Legislativa, não deixou de cumprir com suas obrigações em nenhum momento, portanto, não poderia ser exonerada apenas por declarar-se ateia, convicção sua.
            
Na obra O Que é o Espiritismo, onde Allan Kardec compila resumidamente todos os princípios básicos da Doutrina Espírita, o Codificador Lionês responde a seguinte indagação de um crítico: - O senhor, então, não procura fazer prosélitos (prosélito: indivíduo que se converte a uma religião diferente da sua; adepto; partidário)? Allan Kardec: “(...) Eu não forço nenhuma convicção. Quando encontro pessoas sinceramente desejosas de se instruir, e que fazem a honra de me pedir esclarecimentos, sinto o prazer e o dever de lhes responder, dentro dos limites dos meus conhecimentos (...). Mais cedo ou mais tarde, pela força dos fatos, a convicção virá e os mais incrédulos serão levados pela torrente (...)”.
            
O Espiritismo, logo em seu nascedouro, sofreu com inúmeras críticas e ataques diretos, sendo desrespeitadas as convicções expostas pela doutrina espírita, o que levava à Allan Kardec apenas o entendimento de que a crítica não representava a opinião pública, mas uma opinião individual que poderia muito bem estar enganada.
            
E é aí que encontramos outro problema do envolvimento religioso nos assuntos governamentais. O pedido de exoneração pelo vereador, adepto fervoroso de sua fé, não encontra amparo porque, além de estar dissociado da Constituição da República, fere uma convicção filosófica de outro ser humano.
            
Era importante que o vereador tivesse conhecimento de que nem todos são católicos, nem todos são espíritas, assim como nem todas as pessoas são ateias. E, ainda assim, somos obrigados, não apenas pelo direito, mas muito mais pela ética, a respeitar as crenças religiosas e convicções filosóficas ou políticas do outro ser humano.
           
José Artur M. Maruri dos Santos
Colaborador da União Espírita Bageense

josearturmaruri@hotmail.com

*Coluna publicada pelo Jornal Minuano, em Bagé, que circulou entre os dias 15 e 16 de março de 2014.