A cada dia está mais evidente o envolvimento
religioso nos assuntos governamentais, molestando ainda mais as relações dos
brasileiros com sua Constituição.
Há alguns dias, neste espaço,
trouxemos a informação veiculada pela Rede BBC que a Presidente Dilma Rousseff
teve um encontro privado no Vaticano com Jorge Bergoglio, líder da Igreja
Católica. Na oportunidade o cientista político da respeitável rede apontou como
uma ação de “oilho no eleitorado”.
Agora, mais uma vez, podemos
constatar o quanto pode ser nefasta a ação do governo sobre a liberdade
religiosa ou de credo de todo e qualquer cidadão.
Nesta semana foi a vez do Portal de
Notícias do Jornal Zero Hora veicular a informação de que um vereador de Antônio
Prado, município localizado na Serra Gaúcha que detém pouco mais de quatorze
mil habitantes, pediu a exoneração da assessora de imprensa da Casa
Legislativa, Renata Ghigghi, com trinta e três anos, por ela não acreditar em
Deus. O fato acabou ganhando repercussão nacional.
Renata Helena Ghiggi |
Como se vê, mais uma vez, estamos
diante de uma interferência direta da religião nos assuntos governamentais.
Como já referido neste espaço, o Brasil adotou a liberdade religiosa e de culto
desde a Constituição de 1824 e a Constituição atual, de 1988, é bastante clara
em seu art. 5º, inciso VIII:
“VIII – ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A assessora de imprensa, ao que
parece, diante da manifestação do presidente da Casa Legislativa, não deixou de
cumprir com suas obrigações em nenhum momento, portanto, não poderia ser
exonerada apenas por declarar-se ateia, convicção sua.
Na obra O Que é o Espiritismo, onde
Allan Kardec compila resumidamente todos os princípios básicos da Doutrina
Espírita, o Codificador Lionês responde a seguinte indagação de um crítico: - O
senhor, então, não procura fazer prosélitos (prosélito: indivíduo que se
converte a uma religião diferente da sua; adepto; partidário)? Allan Kardec:
“(...) Eu não forço nenhuma convicção. Quando encontro pessoas sinceramente
desejosas de se instruir, e que fazem a honra de me pedir esclarecimentos,
sinto o prazer e o dever de lhes responder, dentro dos limites dos meus
conhecimentos (...). Mais cedo ou mais tarde, pela força dos fatos, a convicção
virá e os mais incrédulos serão levados pela torrente (...)”.
O Espiritismo, logo em seu nascedouro,
sofreu com inúmeras críticas e ataques diretos, sendo desrespeitadas as
convicções expostas pela doutrina espírita, o que levava à Allan Kardec apenas
o entendimento de que a crítica não representava a opinião pública, mas uma
opinião individual que poderia muito bem estar enganada.
E é aí que encontramos outro problema
do envolvimento religioso nos assuntos governamentais. O pedido de exoneração
pelo vereador, adepto fervoroso de sua fé, não encontra amparo porque, além de
estar dissociado da Constituição da República, fere uma convicção filosófica de
outro ser humano.
Era importante que o vereador tivesse
conhecimento de que nem todos são católicos, nem todos são espíritas, assim
como nem todas as pessoas são ateias. E, ainda assim, somos obrigados, não
apenas pelo direito, mas muito mais pela ética, a respeitar as crenças
religiosas e convicções filosóficas ou políticas do outro ser humano.
José
Artur M. Maruri dos Santos
Colaborador
da União Espírita Bageense
josearturmaruri@hotmail.com
*Coluna publicada pelo Jornal Minuano, em Bagé, que circulou entre os dias 15 e 16 de março de 2014.