quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O DESGASTADO DISCURSO PELA IGUALDADE*


Hoje é um dia marcado pela celebração de uma data especial dedicada ao gênero feminino. O dia internacional da mulher. Ainda que seu verdadeiro sentido tenha sido esquecido e reste apenas o apelo ao seu caráter festivo e comercial, é importante que rememoremos a sua importância.
            
O início do século passado foi marcado pela chamada Segunda Revolução Industrial e início da Primeira Guerra Mundial, oportunidade em que ocorreu a incorporação da mão-de-obra feminina na indústria.
            
Exatamente no dia 08 de março, em 1917, a greve das operárias russas da indústria têxtil contra a fome, contra o Czar Nicolau II e contra a participação do país na Primeira Guerra Mundial, foi o estopim da Revolução Russa. No entanto, tal data só veio a ser dedicada às mulheres pela Organização Mundial das Nações Unidas em 1977, ou seja, sessenta anos depois, reflexo da lentidão com que são tratadas as questões pela emancipação jurídica da mulher.
            
Certo é que a conquista por um lugar ao sol pela mulher abalou a organização da família, forçando o declínio da sociedade conjugal patriarcal. Quando a mulher assumiu a condição de “sujeito de desejo”, o princípio da indissolubilidade do casamento ruiu, uma vez que a resignação histórica das mulheres é que sustentava os casamentos.
            
Des. Maria Berenice Dias
No dizer da Desembargadora Maria Berenice Dias[1] “hoje a mulher, na plenitude de sua condição feminista, é parte fundante da estrutura social e passou a exercer funções relevantes para sua emancipação pessoal e profissional, para a sociedade e para a família”.
            
Realmente, a mulher sempre esteve subordinada ao marido, a quem devia obediência. E, neste ponto, a religião teve – e ainda tem – uma parcela muito grande de culpa. Sempre esteve excluída do poder e dos negócios jurídicos, econômicos e científicos. Para se ter uma idéia, segundo os cálculos de Paulo Lôbo[2], foram necessários 462 anos para a mulher casada deixar de ser considerada relativamente incapaz (Estatuto da Mulher Casada – L. 4.121/1962) e foram necessários mais 26 anos para consumar a igualdade de direitos e deveres na família (Constituição de 1988).
            
Tal situação se deveu muito pela ação nefasta das religiões que, por má interpretação dos textos antigos, relegaram a mulher a uma condição subumana em razão do dogma do pecado original. Aliás, tal dogma sequer foi tratado como princípio pelo judaísmo, conforme a citação do jornal israelita “La Famille de Jacob”, publicado em Avignon, sob a direção do Rabino Benjamin Massé, aposta por Allan Kardec na Revista Espírita de novembro de 1868[3]. O rabino, naquela época, já afirmara com destreza que tal dogma é “uma poética afirmação de nossa inocência nativa e de nossa independência moral da falta de nossos primeiros pais”.
            
Ademais, um dos fatos mais significativos do Evangelho é a visita de Jesus após a ressurreição, quando entre tantas figuras mais próximas de sua vida, ele surgiu aos olhos de Maria de Magdala, em primeiro lugar.
            
É necessário que, em tempos atuais, substituamos o discurso da igualdade, visto que o tratamento isonômico para a mulher já se encontra amparado em lei. É importante, também, que rompamos de uma vez por todas com dogmas como o do “fruto proibido”.
            
Por outro lado, é imperioso que venha à tona o discurso pela diferença. Sim, porque certas discriminações, como as introduzidas pela Lei 11.340/2006, popularmente conhecida por “Lei Maria da Penha”, são positivas à medida que aparecem como solução para superar as diferenças arraigadas ao longo dos séculos, transformando a família, num futuro melhor, em espaço de verdadeira igualdade.           
           
José Artur M. Maruri dos Santos
Colaborador da União Espírita Bageense
Comente: josearturmaruri@hotmail.com

*Coluna publicada pelo Jornal Minuano, em Bagé, que circulou entre os dias 08 e 09 de março de 2014, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, e que também pode ser acompanhada pelo link Jornal Minuano



[1] Maria Berenice Dias; Manual de direito das famílias, 96.
[2] Paulo Luiz Netto Lôbo; Do Poder familiar, 179.
[3] Allan Kardec; Revista Espírita; Novembro de 1868; 457.