Allan Kardec |
A consciência de si mesmo, segundo os
conceitos da filosofia tradicional, é um processo progressivo e exige reflexão.
Alcança-se, por intermédio dela, a dimensão do outro, que se manifesta através
do escutar, absorver, reformular, rever, renovar.
Partindo dessa linha de raciocínio, é
possível responder alguns questionamentos que as doutrinas tradicionais,
criadas pela própria humanidade, propuseram para explicar o dia de amanhã. Se
viveremos, como viveremos? Estaremos em que condições? A abordagem de hoje é um
exercício dessa reflexão, porque ela poderá auxiliar-nos a entender melhor os
sistemas propostos e separá-los, como se separa o joio do trigo.
Os sistemas variam de acordo com as
crenças religiosas e filosóficas, mas Allan Kardec, em Obras Póstumas (IDE
Editora, p. 137) resumiu as cinco alternativas que a humanidade detém: o dogmatismo, o panteísmo, o deísmo, o materialismo e o Espiritismo.
Na coluna de hoje nos deteremos à
doutrina do dogmatismo, mas nas
próximas colunas as outras também terão o seu espaço, afinal, o espaço objetiva
a reflexão.
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724 - 1804) na obra “Crítica da Razão Pura” conceitua o
dogmatismo da seguinte forma: “Dogmatismo
é uma atitude natural e espontânea que temos desde criança com senso. É uma
tendência a crer que o mundo é do jeito que aprendemos. É o conjunto de
dogmas teológicos,
isto é, de expressões surgidas com pensamentos filosóficos ou pertencentes à
hierarquia mais alta da Igreja absolutamente indubitáveis”.
Immanuel Kant - o último grande filósofo dos princípios da era moderna. |
Por isso, na doutrina dogmática, a
reflexão é um tanto quanto limitada e alguns dogmas tornam-se fundamentais para
a sua continuidade.
Por exemplo, a alma, independente da
matéria, do corpo mesmo, é criada no nascimento de cada ser; sobrevive e
conserva a sua individualidade depois da morte, porém a sua sorte está
irrevogavelmente fixada. Os maus são condenados a castigos perpétuos e
irremissíveis no inferno, disso ressalta, para eles, a inutilidade completa do
arrependimento. Deus parece se recusar a lhes deixar a oportunidade de reparar
o mal que fizeram. Os progressos anteriores, também, são nulos e o homem será,
por toda a eternidade, intelectual e moralmente, o que era durante a vida.
Para a doutrina dogmática, os bons
são recompensados pela visão de Deus à contemplação perpétua no céu. Existe,
nessa doutrina, uma separação definitiva e absoluta dos condenados e dos
eleitos. Inutilidade dos auxílios morais e das consolações para os condenados.
Criação de anjos ou almas privilegiadas isentas de todo trabalho para chegar à
perfeição.
Entretanto, o dogmatismo, ainda num
exercício de reflexão, deixa sem solução alguns problemas graves da humanidade,
tais como de onde vêm as disposições inatas, intelectuais e morais, que fazem
com que nasçam homens bons e maus, uns inteligentes e outros nem tanto? Qual a sorte
das crianças que morrem em tenra idade? Onde está a justiça da miséria e das
enfermidades de nascimento, uma vez que não são resultado de nenhum ato da vida
presente? Por que Deus cria almas mais favorecidas, umas do que as outras? Por
que Deus criou anjos, chegados à perfeição sem trabalho, ao passo que outras
criaturas estão submetidas às mais rudes provas, nas quais têm mais chances de
sucumbir do que sair vitoriosas?
Esses questionamentos, bastante
importantes para o futuro da humanidade, exigem reflexão, por isso, encerramos
o presente espaço com a seguinte objeção: se Deus julga em última instância,
pergunta-se: qual é o valor da decisão pronunciada pelos homens, uma vez que
pode ser revogada?
José
Artur M. Maruri dos Santos
Colaborador
da União Espírita Bageense
Comente:
josearturmaruri@hotmail.com
*Coluna publicada no Jornal Minuano , em Bagé/RS, entre os dias 15 e 16 de junho de 2013 e que também pode ser acompanhada pelo link minuanoonline.