segunda-feira, 4 de março de 2013

UM CASAL EM DESAJUSTE*



Na França do Século 19 havia uma mulher que sofria calada. Padecia com a vida devassa de seu esposo. Homem que ela tanto amava e que tanto mal lhe causava. Inúmeras vezes ele a maltratou com suas cotidianas brutalidades. Mesmo para ela, tão dedicada e prestimosa, chegava o momento de fraqueza. Não podia mais aceitar tudo aquilo e lhe faltou resignação e coragem para o enfrentamento da situação que lhe era dada. Buscou na morte um refúgio para os seus males.
            
A justiça humana não soluciona a situação descrita acima, ainda hoje. Como punir o marido por ter causado o suicídio da mulher que lhe dedicou sua própria existência? A justiça da Terra trata o caso apenas como mais um suicídio entre outros tantos.
            
Por outro lado, Deus, infinitamente bom e soberanamente justo, permite que todos nós utilizemos o nosso livre arbítrio. No entanto, cabe a nós arcarmos com as conseqüências dos nossos atos. A suicida, que não enxergava na morte o final de seus males, acabou por intensificá-los com o próprio ato. E ao adentrar abruptamente no mundo espiritual, apenas pôde observar que o “seu” homem permanecia alheio a qualquer sentimento de remorso seguindo em frente.
            
Então, impensadamente e irresponsavelmente resolveu ir atrás da justiça com as próprias mãos. Utilizou o seu livre arbítrio e partiu, com paciência, em busca do acreditava, sob a sua visão torpe, ser o correto.
            
Por longos anos eles não se encontraram. O homem insensato, como não podia deixar de ser, também chegou ao mundo espiritual e sua consciência o acusava como nenhum Promotor de Justiça da Terra. Após anos e anos de angústia, sofrimento, enfim, o arrependimento. Mas esse arrependimento não poderia vir solitário, ele devia estar acompanhado da reparação do mal que havia cometido para com a sua esposa.
            
Arrependido, o homem, antes cruel, retornaria à Terra ciente que poderia ouvir e até mesmo enxergar os Espíritos, ele deveria viver entre os dois mundos, sendo um elo entre eles. Ele aceitou, consciente que a sua antiga companheira viria ao seu encontro sedenta por justiça, mas não deixou de lado a esperança de ser mais forte, quis os riscos da tentação, eis que necessária ao seu próprio adiantamento.
            
Um tempo depois, o Sr. Jean-Baptiste Sadoux, fabricante de canoas em Joinville le-Pont, avistou um jovem que logo depois de vaguear por um tempo sobre a ponte, subiu no parapeito e se jogou no Marne. Ele foi a seu socorro e passados sete minutos conseguiu retirá-lo da água, mas já era tarde demais. A asfixia já era completa.
            
Em seu bolso apenas uma carta revelando que se tratava do Sr. Paul D..., vinte e dois anos, residente à Rua Sedaine, em Paris. A carta do suicida era dirigida ao seu pai e extremamente tocante. Pedia-lhe perdão por abandoná-lo e dizia que havia dois anos era dominado por uma ideia terrível, por uma vontade de se destruir. Acrescentava que lhe parecia ouvir fora da vida uma voz que o chamava sem tréguas e, malgrado todos os seus esforços, não podia impedir-se de ir para ela.
            
Como se vê, a mulher que por longos anos sofreu calada resolveu utilizar o seu livre-arbítrio e cobrar o que acreditava ser-lhe devido. Uma evidente obsessão, causada por ela a seu ex-marido, fez com que ele não suportasse a prova que aceitou antes mesmo de reencarnar. Ele sucumbiu pelo mesmo mal que fez sua esposa ceder anos antes. Seu passado, agora, era a causa da situação dolorosa em que se achava. Porém, não encontrou as forças para resistir. Fosse ele, um estudioso da Doutrina Espírita, poderia encontrar a causa do efeito que estava a sentir e ouvir e, assim, quem sabe, evitar o cometimento do ato cruel.
            
Mas, como Deus é soberanamente justo e infinitamente bom, ainda permitirá que tanto ele como ela retomem as suas jornadas. Resistirão? Isso dependerá apenas deles. Cabe a nós rogar a Deus que lhes dêem calma e a resignação de que tanto necessitam, coragem e força para não falir nas provas que terão de suportar mais tarde**.

José Artur M. Maruri dos Santos
Colaborador da União Espírita Bageense
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Comente: josearturmaruri@hotmail.com

*Artigo publicado pelo Jornal Minuano, Bagé/RS, na edição do final de semana, dias 02 e 03 de março de 2013. Pode ser lido também pelo link http://www.jornalminuano.com.br/noticia.php?id=85011&data=02/03/2013&ok=1.

**Adaptação do artigo Suicídio por obsessão, integrante da “Revista Espírita”, janeiro de 1869, direção de Allan Kardec.