sexta-feira, 6 de julho de 2012

Pingos de Kardec - Revista Espírita


            
         
           "O Espiritismo é Provado por Milagres?

            Um eclesiástico nos enviou a seguinte pergunta:

        'Todos os que receberam de Deus a missão de ensinar a verdade aos homens provaram-na por meio de milagres. Por quais milagres provais a verdade de vosso ensinamento?'

           Não é a primeira vez que dirigem essa pergunta, seja a nós, seja a outros espíritas. Parece que lhe emprestam grande importância e que de sua solução depende a sentença que deve condenar ou absolver o Espiritismo. Nesse caso forçoso é convir que é crítica nossa posição, pois nos assemelhamos a um pobre diabo que não dispõe de um centavo na algibeira e a quem é exigida a bolsa ou a vida. Assim, confessamos humildemente que não temos milagre, por menor que seja, a oferecer. Dizemos mais: o Espiritismo não se apóia em nenhum fato miraculoso; seus adeptos não fizeram, nem têm a pretensão de fazer, qualquer milagre; não se julgam suficientemente dignos para que, à sua voz, Deus mude a ordem eterna das coisas. O Espiritismo constata um fato material, o da manifestação das almas ou Espíritos. Tal fato é real? Sim ou não? Eis a questão. Ora, admitindo esse fato como verdadeiro nada há de miraculoso. Como as manifestações desse gênero, isto é, as visões, aparições e outras, ocorreram em todos os tempos – assim o atestam os historiadores sacros e profanos – aquelas de outrora passaram por sobrenaturais. Hoje, porém, que lhe conhecemos a causa e sabemos que são produzidas em virtude de certas leis, sabemos também que lhes falta o caráter essencial dos fatos miraculosos: o da exceção à lei comum.

       Essas manifestações, atualmente observadas com mais cuidado do que na Antigüidade, sobretudo quando examinadas sem prevenções e com o auxílio de investigações tão minuciosas quanto as que são feitas nos estudos científicos, têm como conseqüência provar, de maneira irrecusável, a existência de um princípio inteligente fora da matéria, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade depois da morte, sua imortalidade e seu futuro feliz ou desgraçado; por conseguinte, provar a base de todas as religiões.

         Se a verdade só fosse provada por milagres, poderíamos perguntar por que os sacerdotes do Egito, que estavam em erro, reproduziam diante do Faraó os prodígios de Moisés? Por que Apolônio de Tiana, que era pagão, curava pelo toque, restituía a vista aos cegos, a palavra aos mudos, predizia os acontecimentos futuros e via o que se passava a distância? O próprio Cristo não disse: “Haverá falsos profetas que farão prodígios?”. Um dos nossos amigos, depois de uma prece fervorosa a seu Espírito protetor, foi curado quase instantaneamente de uma moléstia muito grave e muito antiga, que havia resistido a todos os remédios. Para ele o fato foi realmente miraculoso, mas, como crê nos Espíritos, um padre a quem narrou o fato lhe disse que o diabo também pode fazer milagres. “Neste caso – objetou o amigo – se foi o diabo quem me curou, é a ele que devo agradecer.”

           Assim, os prodígios e os milagres não são privilégio exclusivo da verdade, desde que o próprio diabo pode fazê-los. Como, então, distinguir os bons dos maus? Todas as religiões idólatras, sem excetuar a de Maomé, apóiam-se em fatos sobrenaturais. Isto prova que os fundadores dessas religiões conheciam segredos naturais, ignorados pelo vulgo. Aos olhos dos selvagens da América, Cristóvão Colombo não passava por um ser sobre-humano por haver predito um eclipse? Não poderia ter-se feito passar por um enviado de Deus? Para provar o seu poder, necessitaria Deus desfazer o que havia feito? Fazer mover para a direita o que deve girar para a esquerda? Provando o movimento da Terra pelas leis da Natureza, Galileu não estava mais certo do que os que pretendiam que, por uma derrogação dessas mesmas leis, ele precisara deter o Sol? Já sabemos o quanto lhe custou, a ele e a tantos outros, por haver demonstrado um erro. Dizemos que Deus é maior pela imutabilidade de suas leis que pela sua abrogação; e se lhe aprouve fazê-lo em determinadas circunstâncias, não é isto o único sinal da verdade. (...)”

Fonte: REVISTA ESPÍRITA. Jornal de Estudos Psicológicos. Ano Quinto. 1862. Fevereiro. Editora FEB. p. 66-68.