"Estudos sobre as comunicações de Claire.
Estas comunicações, sobretudo, são instrutivas naquilo que nos mostram um dos lados mais vulgares da vida: o do egoísmo. Ali não estão esses grandes crimes que espantam, mesmo os homens mais perversos, mas a condição de uma multidão de pessoas que vivem no mundo, honradas e procuradas, porque têm um certo verniz, e não caem sob a vindita das leis sociais. Esses não são, não mais, no mundo dos Espíritos, castigos excepcionais, cujo quadro faça tremer, mas uma situação simples, natural, consequência de sua maneira de viver e dos estado de sua alma; o isolamento, o desamparo, o abandono, eis a punição daquele que não viveu senão para si. Claire era, como se a viu, um Espírito muito inteligente, mas um coração seco; na Terra, a sua posição social, sua fortuna, suas vantagens físicas lhe atraíam homenagens que afagavam a sua vaidade, e isso lhe bastava; lá não encontra senão a indiferença, e o vazio se fez ao seu redor; punição mais pungente que a da dor, porque é mortificante, porque a dor inspira piedade, a compaixão; é ainda um meio de atrair as atenções, de fazer ocupar de si, de interessar-se com a sua sorte.
A sexta comunicação encerra uma ideia perfeitamente verdadeira, naquilo que explica a obstinação de certos Espíritos no mal. Admira-se em ver que são insensíveis ao pensamento, ao espetáculo mesmo da felicidade, da qual gozam os bons Espíritos. Estão exatamente na posição de homens degradados, que se satisfazem na lama e nas alegrias grosseiras e sensuais. Ali esses homens estão, de alguma sorte, no seu meio; eles não concebem prazeres delicados; preferem os seus andrajos sujos às vestimentas próprias e brilhantes, porque ali estão mais perfeitamente à vontade; as suas festas báquicas, aos prazeres da boa companhia. Estão de tal modo identificados com esse gênero de vida, que se tornou, para eles, uma segunda natureza; crêem-se mesmo incapazes de se elevarem acima de sua esfera, e é por isso que ali permanecem, até que uma transformação de seu ser abra a sua inteligência, desenvolvendo neles o senso moral, fazendo-os acessíveis às sensações mais sutis.
Esses Espíritos, quando estão desencarnados, não podem adquirir instantaneamente a delicadeza do sentimento, e, durante um tempo mais ou menos longo, ocuparão as escórias do mundo espiritual, como ocuparam as do mundo corpóreo; ali permanecerão tanto quanto serão rebeldes ao progresso; mas, com o tempo, com a experiência, as atribulações, as misérias das encarnações sucessivas, chega um momento em que concebem alguma coisa de melhor do que aquilo que têm; as suas aspirações se elevam; começam a compreender o que lhes falta, e é então que fazem esforços para adquiri-lo e se elevarem. Uma vez entrados nesse caminho, marcham com rapidez, porque gostaram de uma satisfação que lhes parece bem superior, e junto da qual as outras não sendo senão de grosseiras sensações, acabam por lhes inspirar a repugnância".
Fonte: O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo de autoria de Allan Kardec. Editora IDE. p. 189-190.