"Ao
despertar, depois de sono profundo e reparador, afigurou-se-me ter dormido
longas horas, e de algum modo senti que o raciocínio se me aclarava, oferecendo
maior possibilidade de entendimento e compreensão das circunstâncias.
Reconhecia-me de posse de mim mesmo, como desoprimido daquele estado mórbido de
pesadelo, que tantas exasperações acarretava. Mas, ai de mim! Semelhante
reconforto mental antes aprofundava do que balsamizava angústias, pois me
compelia a examinar com maior dose de senso e serenidade a profundeza da falta
que contra mim mesmo cometera! Ardente sentimento de desgosto, remorso, temor,
desapontamento, coibia-me apreciar devidamente a melhoria da situação. E incômoda
sensação de vergonha chicoteava-me o pudor, gritando ao meu orgulho que ali me
achava indevidamente, sem quaisquer direitos a me assistirem para tanto,
unicamente tolerado pela magnanimidade de indivíduos altamente caridosos,
iluminados pelo vero amor de Deus!
Dúvidas
amaríssimas continuavam remoinhando-me na mente. Não era possível que eu
tivesse morrido. O suicídio absolutamente não me matara! Eu continuava vivo e
bem vivo!
Que
se passara, pois?... Meus companheiros de enfermaria e, por certo, todos os demais
que integravam o extenso cortejo proveniente das escuridades do Vale,
entregar-se-iam a idênticas elucubrações! Estampavam-se o assombro, o temor e o
pesar inconsolável naqueles semblantes desfigurados.
E,
acompanhando a nova série de amarguras que nos invadia apesar da hospitalização
e do sono reconfortador, as dores físicas oriundas do ferimento que fizéramos
continuavam supliciando nossa sensibilidade como a lembrarem nosso estado irremediável
de réprobos”.
*Trecho extraído da obra Memórias de Um Suicida pelo Espírito Camilo Cândido Botelho, sob a orientação do Espírito Léon Denis e psicografado por Yvonne A. Pereira. Editora FEB, 2009. pag. 75-76.